Vem aí a norma técnica de Responsabilidade Social

Publicado em: 06/11/2009
Vem aí a norma técnica de Responsabilidade Social

A Federação cedeu o espaço de seu auditório nos dias 26 e 27 de outubro para uma reunião dos integrantes da delegação brasileira que participa da elaboração da ISO 26000, a norma internacional de padronização para Responsabilidade Social. O encontro foi promovido pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, órgão que representa o Brasil junto à ISO, a Organização Internacional de Padronização.



A partir dos anos 2000, a ISO começou a buscar a elaboração de uma norma para responsabilidade social. Em 2004 foi montada uma proposta de trabalho e a organização, então, convidou representantes da sociedade oriundos de diversos países.

O grupo de trabalho que elabora o texto começou a atuar em 2005 e vem se reunindo para redigir o texto coletivamente. Participam do grupo internacional mais de 380 especialistas, tanto de nações desenvolvidas quanto de países em desenvolvimento.



Ao contrário das outras, a norma ISO 26.000 não é certificadora, ou seja, não vai dar um “selo” à empresa que a adotar. Mas servirá como parâmetro para avaliar se uma instituição é, de fato, socialmente responsável, definindo quais itens podem ser considerados nesta avaliação. Por exemplo, um dos temas que devem integrar o texto final diz respeito às relações trabalhistas. Uma empresa, para ser socialmente responsável, deverá respeitar a legislação e os direitos de seus empregados. Assim, se ficar claro que a instituição não os respeita, não vai adiantar investir milhões em outras ações para limpar sua imagem.



O que poderia ser apenas uma peculiaridade já vem sendo objeto de estudo até mesmo dentro da própria ISO. Além de não ser certificadora, a ISO 26000 também não está sendo desenvolvida como as outras normas, que são elaboradas pela ISO e colocadas no mercado. A norma para responsabilidade social está sendo construída dentro de um processo de ouvir todas as partes interessadas – os stakeholders, como são chamados, divididos em seis grupos: indústria (empresários), trabalhadores, consumidores, ONGs, governo e outros – este último grupo inclui a Universidade e seus pesquisadores, entre outros segmentos. O método de trabalho é inovador e tem servido para construir um texto que, se não agrada integralmente a ninguém, também não incomoda totalmente.



Pioneirismo brasileiro



Neste processo, o Brasil tem uma posição de destaque: o grupo de trabalho que elabora o texto é presidido conjuntamente por um sueco e um brasileiro. Este privilégio não veio à toa: o Brasil tem tradição em iniciativas de responsabilidade social, como o combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo. “Há muito tempo o tema da responsabilidade social vem se consolidando como uma preocupação em várias organizações. O selo Empresa Amiga da Criança, da Fundação Abrinq, é uma das iniciativas mais antigas do Brasil em responsabilidade social”, lembra Clovis Scherer, do Dieese-DF, representante do segmento dos trabalhadores na delegação brasileira. Helio da Costa, coordenador de Responsabilidade Social do Instituto Observatório Social, também é integrante do comitê e analisa esta vocação brasileira para discutir o tema. Segundo o pesquisador, não foram os exilados, como Betinho e Carlos Minc, que trouxeram o tema ao retornarem ao Brasil, após a anistia. “Essas figuras foram mais pautadas pelas novas lideranças. É um mix muito peculiar do Brasil de pegar a antiga tradição da esquerda pré-64, com a igreja progressista, o movimento sindical independente e outros movimentos, que compôs uma certa química política que favoreceu esta discussão”, analisa Costa. O destaque do Brasil no processo se deve ainda ao fato de termos, na ABNT, uma norma nacional para o tema, o Sistema de Gestão da Responsabilidade Social, conhecido como NBR 16001. “Foi também pela forma como os diversos segmentos se engajaram – trabalhadores, empresas, consumidores, ONGs, governo, outros – que nós conseguimos ter sempre nos encontros uma delegação completa”, acrescenta Scherer.



Muitas intenções



O processo é uma queda de braço: de um lado, ONGs, trabalhadores e consumidores procurando tornar a norma específica e exigente, para garantir seus direitos. Por outro, empresas e, às vezes, governos procurando afrouxar os nós para diminuir as restrições. Por exemplo, um ponto de discórdia na última reunião foi relativo ao uso dos parâmetros da ISO 26000 como critério de desempate em disputas entre empresas na Organização Mundial de Comércio. Também foi polêmica a definição de responsabilidade de uma empresa sobre os diversos elos de sua cadeia produtiva, ou seja, seus fornecedores. Para os representantes dos trabalhadores, ONGs e consumidores, uma empresa deve ser responsável por escolher fornecedores socialmente responsáveis, mas outros grupos no comitê preferem que esta regra seja menos rígida, para evitar as cobranças.



Nesta disputa, há países que, deliberadamente, atravancam o processo. A China, por exemplo, quer que a norma seja frouxa e pouco específica, para que suas empresas não se vejam presas a regras que impeçam sua expansão. A delegação do país vem se queixando de que não está sendo democraticamente ouvida e ameaça votar contra o texto que será submetido à aprovação no próximo encontro, apesar da participação dos chineses ter sido amplamente documentada.



Para todos verem



Mesmo que todos os stakeholders já tenham sua representação no comitê, o processo envolve também consultas à sociedade. O texto atual, resultado da reunião de trabalho que aconteceu em Québec, no Canadá, em maio deste ano, será apresentado publicamente num seminário que acontece nos dias 11 e 12 de novembro no hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. Haverá uma discussão por bancada para que cada uma debata seus pontos de vista sobre a atual versão da norma e faça sugestões, que serão negociadas e consensuadas entre as partes. Este trabalho vai reunir os comentários da delegação brasileira ao texto atual da norma e serão levados à próxima reunião internacional, que será realizada em Copenhagen, na Dinamarca, no primeiro semestre do ano que vem. A publicação do texto final da norma ISO 26000 está prevista para setembro de 2010.